Embora a administração de Donald Trump não tenha enviado nenhum oficial de negociação de alto nível para a COP30 em Belém, os Estados Unidos estão presentes na conferência por meio de pesquisadores, ONGs e governos subnacionais, como o governador da Califórnia, Gavis Newsom, que, aliás, teve uma agenda cheia nesta terça-feira (11).
Em sua passagem pelo Brasil, Newson tem sido vocal sobre o que pensa da importância de estar na COP30, dando alfinetadas no presidente Trump “É uma abominação, uma desgraça. Algo que quero enfatizar é que o Governo da Califórnia tem uma linha de pensamento completamente diferente”, reforçou em coletiva de imprensa.
Newson enfatizou, repetidamente, que não quer que os EUA sejam resumidos a Trump. “Não quero que vocês mudem a concepção do nosso país. A Califórnia é um parceiro estável e confiável em crescimento verde, de baixo carbono. E vai permanecer assim", afirmou. “Estou aqui porque não quero que os Estados Unidos sejam apenas uma nota de rodapé nessa conferência. Quero que saibam que reconhecemos nossa responsabilidade e oportunidade [como um país]", declarou também.
De acordo com o governador, com a ausência de seu governo federal, resta à diplomacia subnacional mostrar que há uma parte dos Estados Unidos que ainda acredita no multilateralismo e na urgência climática. Sua agenda esta semana em Belém está focada em firmar parcerias e buscar soluções baseadas na natureza. Não à toa sua primeira reunião foi com a Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara. Logo em
seguida, Newson já seguiu firmando uma aliança com o Governo do Pará, para estreitar a cooperação entre os dois estados na prevenção e respostas de incêndios.
O memorando de entendimento foi assinado na manhã de hoje (11), no Parque da Bioeconomia. "O que vi hoje em Belém foi inovação enraizada no respeito pela natureza, um lembrete de que as soluções para nossos maiores desafios estão sendo construídas a partir da base", destacou.
Ao Amazônia Vox, Newson relatou que já se reuniu com lideranças indígenas sobre como compartilhar as melhores práticas entre povos e como fazer o manejo ativo da vegetação e das florestas, considerando práticas que existem desde tempos imemoriais, “mas que esquecemos e com as quais perdemos contato". Político e empresário do ramo do vinho e do turismo, ele tem andado cercado por jornalistas e observadores por onde circula na COP30, como se fosse a estrela do rock do dia. Todos querem falar com quem está despontando como a principal oposição ao Trump na conferência - e fora dela.
Neste mandato que assumiu em 2022, o governador da Califórnia tem defendido tudo que o atual presidente de seu país é contra: redução da dependência dos combustíveis fósseis, controle de armas, legalização da cannabis e casamento LGBTQIA+, por exemplo. Na capital do Pará, ele enxerga oportunidades específicas. “Na verdade, concordamos com um paradigma de parceria específica sobre a Amazônia, o manejo florestal e da vegetação entre o estado do Pará e o estado da Califórnia”, resumiu.
A Califórnia tem sido uma referência em transição energética e justiça climática. Para Newson, inclusive, o investimento em energia renovável é o grande responsável pelo crescimento econômico do estado, que passou da sexta para a quarta economia do planeta neste mandato - batendo de frente com o Japão e sendo superado apenas pelos Estados Unidos inteiro, a China e a Alemanha.
Cadeira vazia de Trump pode até facilitar a negociação, observa advogado
Além de Newson, outros estados e cidades norte-americanas estão marcando presença, firmando parcerias e acordos diretamente com outros governos e entidades privadas, ressalta Ciro Brito, advogado e analista sênior de Políticas Climáticas no Instituto Socioambiental (ISA). Ele, que também é mentor do Grupo de Trabalho Amazônia na Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA), diz que a decisão de Trump não surpreendeu devido à postura do governo de minimizar as mudanças climáticas.
Em alguns casos, essa lacuna é até vista como um alívio por líderes globais que temiam interferências nas negociações. O próprio ex-negociador americano Todd Stern afirmou que a presença dos EUA não traria nada de útil para a discussão. Ciro Brito avalia que a decisão do governo Trump de não enviar delegação oficial reflete a postura negacionista e antirregulatória já adotada em mandatos anteriores, e concorda que a ausência pode evitar bloqueios dentro das salas de negociação.
“Os Estados Unidos são o maior emissor histórico de gases de efeito estufa e o país que mais poderia contribuir com o financiamento climático para o Sul Global. Mas, quando está presente sob um governo contrário à ciência, muitas vezes trava as decisões mais ambiciosas”, explica Brito. “Sem a delegação americana, o debate tende a fluir mais, especialmente em temas como a eliminação dos combustíveis fósseis e o fortalecimento do
Fundo de Florestas Tropicais (TFFF)”, complementa.
Corte dos EUA deixa uma lacuna de 20% do financiamento da Convenção do Clima Quando Trump assumiu a presidência, decidiu cortar o repasse financeiro de 7,2 milhões de euros para o funcionamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), da qual os Estados Unidos ainda são signatários. De acordo com Simon Stiell, secretário-executivo da convenção, a dívida dos EUA deixou um “buraco de em torno de 20% do orçamento total que agora foi preenchido por filantropia".
Embora a brecha tenha sido preenchida para o orçamento 2026/2027 da UNFCCC - que, aliás, está em aprovação na COP30 - conseguir o dinheiro por doações não é o ideal, porque traz instabilidade. “O foco do nosso fundo deveria ser através das partes [os países-membros] ao invés de financiamento suplementar. Conforme a demanda para novos mandatos aumenta, devemos focar nossos esforços de arrecadação nessas questões suplementares”, explicou Stiell ao Amazônia Vox.
Com ou sem Trump, negociação segue seu rumo em Belém
Se no orçamento os Estados Unidos fazem muita diferença, nas negociações ao menos o quórum está garantido desde o início da COP30, com a presença de cerca de 194 países. “A ausência americana é sentida, claro, porque é a maior potência mundial. Mas o processo continua, e pode até ser mais produtivo. O que a gente vê é uma COP que reafirma o papel dos atores não estatais, governos locais, empresas e sociedade civil, na implementação real do que é decidido no papel”, conclui Ciro Brito.
“Tivemos uma reunião de abertura muito boa sobre transição justa”, disse Ana Toni, CEO da COP30, indicando que as conversas estão progredindo nos bastidores. Ela contou, em coletiva de imprensa, que os países do G77+China (134 países do Sul Global no total) acordaram sobre o Mecanismo de Transição Justa, que considera: a coordenação e compartilhamento de saberes entre setores e instituições; diálogo estreitado com a
sociedade civil; integração entre equidade e justiça em todos os níveis de implementação; finanças para transição que não precisam ser pagas de volta; e a garantia de que as pessoas sigam no coração da ação climática. Outro tópico que foi debatido no dia, segundo Toni, foi gênero e clima, sem maiores detalhes revelados.
O mecanismo de transição justa foi motivo de comemoração entre ativistas. “[A proposta do mecanismo] é um objetivo mais ambicioso do que apenas alcançar uma definição, uma aposta acertada dos países em desenvolvimento”, disse a especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, Camila Jardim.
“As negociações sobre a meta global de adaptação - o principal resultado mandatado esperado para a COP30 - não puderam ser resolvidas logo no início, como era esperado, e agora devem se estender até a segunda semana. A principal questão do impasse é a adoção dos indicadores de monitoramento", salientou em nota o Greenpeace Brasil.
A ONG complementou que a proposta atual de adotar 100 indicadores tem enfrentado resistência de vários países em desenvolvimento (Índia, Grupo Africano, Pequenos Estados Insulares e outros), especialmente pelo receio de que esses indicadores se transformem em condicionalidades para acesso desses países a financiamento para medidas de adaptação. “O receio se dá, também, porque muitos desses países ainda não têm infraestrutura para monitorar", avaliou a nota.
O grupo G77+China foi ainda "premiado” pela Climate Action Network como “o raio de luz do dia”, por “iluminar o caminho da Transição Justa". O reconhecimento é o oposto ao “Fóssil do Dia", um momento já usual das conferências do clima, quando a organização destaca o país considerado como “o que mais fez para alcançar o mínimo” naquele dia. Os prêmios são concedidos desde 1999 e são determinados por votação entre as organizações membros da rede.
Esta reportagem foi produzida por Amazônia Vox, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original no Amazônia Vox : Trump não está na COP30, mas os Estados Unidos estão
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