Entre os dias 5 e 7 de setembro , comunidades dos povos quilombolas da região Norte do Estado participaram da quinta oficina do processo com comunidades quilombolas de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) do Programa Jurisdicional de JREDD+ (Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa por Desmatamento e Degradação Florestal), realizada pelo Governo do Tocantins, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) e da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot). As atividades aconteceram na comunidade Cocalinho, localizada no município de Santa Fé, na região Norte do Estado. Participaram também representantes das comunidades Pé do Morro, Baviera, Cocalinho, Dona Juscelina, Dona Domicília e Grotão, assegurando transparência, acesso à informação e participação ativa de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIQPCTAF).
Escassez Pluviométrica e Calor Excessivo
Dentre os temas debatidos na oficina, a escassez de chuvas e a percepção de que o período do “inverno” tocantinense (caracterizado pelas chuvas de outubro a abril) vem, ao longo do tempo, se tornando mais escasso. A agricultora familiar Maria do Rosário, da comunidade quilombola Dona Juscelina, observa com preocupação o fenômeno climático. “Na nossa região lá tem demais esse tipo de coisa. O fogo, é coisa séria. O nosso rio, nós temos um rio, chamado rio Muricizal, inclusive ele tá secando por falta de cuidado no meio ambiente. Depois dessa cortada de árvore, a nossa chuva aqui não é mais como era antes. Aqui nós tivemos época quando eu era bem mais jovem que chovia a semana todinha, de dia e de noite. A gente para sair de casa era no guarda-chuva. E hoje tá bem diferente. Ano passado nós achou que não ia ter chuva de tanto que demorou. Veio chover já em novembro”, lembrou.
O coletor de resíduos sólidos Márcio dos Santos Sobrinho, morador do município de Muricilândia e da comunidade Dona Juscelina, também fala com preocupação da vazão do rio que corta a cidade. “O município de Muricilândia é uma das regiões abrangidas pelo JREDD+ e lá existe muita degradação no nosso município. É necessário que seja feito um projeto de reflorestamento, recuperar principalmente as nascentes do nosso Rio Muricizal, que está bem degradado. Já tem mais de 10 anos que a gente não vê um limite de água normal”, alertou.
Já o professor de História Manoel Filho tem na memória ambiental de sua juventude paisagens com florestas abundantes e chuvas regulares, contrastando com o presente marcado por desmatamento para pastagens, aumento de temperatura e piora do clima local. “Como professor de História e morador quilombola, os efeitos diretos do aquecimento no cotidiano escolar são estudantes com dificuldade de concentração e necessidade de sair das salas em busca de ventilação. O que era floresta hoje é pastagem a temperatura subiu, e nossos alunos já sentem isso dentro da sala de aula”, afirma.
Linguagem Acessível
Além da escassez de chuvas, foram discutidos o aumento da temperatura e a redução do leito dos rios na região. Como mecanismo de repartição de benefícios, foi proposto destinar parte dos recursos obtidos com a comercialização de créditos de carbono a projetos de reflorestamento e de restauração de áreas degradadas. Os participantes também elogiaram o uso de linguagem acessível pela equipe técnica, o que facilitou a compreensão dos temas e favoreceu que, ao retornarem aos seus territórios, atuassem como multiplicadores das informações.
Para João Carlos Vasconcelos, presidente da Associação de Moradores do Quilombo Cocalinho, os três dias de debates sobre o JREDD+ foram muito produtivos. Ele destacou que a comunidade já conhecia o programa de nome, mas não tinha informações aprofundadas. Com a apresentação da equipe, obteve clareza de conteúdo, respostas qualificadas a muitas perguntas e ressalta estar confiante e otimista quanto aos benefícios do programa para os povos tradicionais. “Agora temos as informações necessárias, tiramos nossas dúvidas e saímos confiantes para decidir com segurança”, afirmou.
Para o presidente da Associação Quilombola Cocalândia, o agricultor familiar Francisco Natalício, os conhecimentos repassados foram importantes porque os conteúdos foram acessíveis à medida em que os diálogos foram avançando. “Estamos aprendendo aqui para levar à nossa comunidade. “Quem não veio, perdeu a oportunidade mas faremos essa ação de repassar as informações”, assegurou.
De acordo com a engenheira ambiental Ana Paula Mendes, assessora da Tocantins Carbono (TOCAR), os conhecimentos debatidos nos encontros refletem as vivências e os desafios ambientais percebidos por todos em seus territórios. “Nós estamos fazendo a documentação das oficinas através das relatorias. O JREDD+ não está trazendo uma comunicação nova. O que, na verdade, está sendo trazido são conhecimentos ancestrais e tradicionais que as comunidades já utilizam com uma linguagem técnica. E essa linguagem é adaptada para que as comunidades consigam se identificar nos conceitos e externalizar também os seus conhecimentos”, frisou.
Demandas
Dentre as demandas, foi proposta uma agenda integrada com ações que visam:
1) Geração de renda - Infraestrutura produtiva (casa de farinha, agroindústria), fortalecimento das roças com maquinário e implementos, incentivo a cultivos alimentares (milho, mandioca, feijão, batata-doce, hortaliças), cadeias de avicultura, apicultura e piscicultura (tanques), irrigação, capacitação para subprodutos do Cerrado, resgate de comidas tradicionais, logística de escoamento e turismo de base comunitária; trator/roçadeira/grade para ampliar a produção.
2) Fortalecimento cultural - Recuperação de danças e festejos, casa de produção de artesanato, equipamentos e materiais para artesãs/os, incentivo a comidas típicas e vestes, remuneração de mestres dos saberes, agenda cultural (Lindô, Capoeira, Salambisco, Pagode, Cantiga de roda), carteira de identificação cultural/profissional, esporte e cultura (campo), centro da juventude, valorização de produtos naturais e intercâmbios entre comunidades.
3) Fortalecimento das associações - Construção/reforma/ampliação de sedes com equipamentos, veículos (caminhonete/ônibus/van), internet gratuita e de qualidade, consultorias jurídica e contábil, formação em projetos e prestação de contas, apoio a coletivos (ex.: Mulheres Raízes), fortalecimento da coordenação estadual e casa de apoio quilombola em Palmas.
4) Formação de pessoas - Cursos de computação, secretariado, operação de máquinas agrícolas, dança, crochê, pintura, corte e costura, manicure, gastronomia e estética.
5) Preservação e meio ambiente - Mapeamento e recuperação de nascentes e áreas degradadas, viveiros de frutíferas e nativas, brigadas quilombolas equipadas, treinadas e remuneradas o ano inteiro.
6) Fortalecimento e vigilância territorial - Câmeras, torres e drones; consultoria para regularização; regularização fundiária com delimitação de terras públicas e privadas.
7) Responsabilidade do Governo do Estado - Moradia e banheiros, saneamento e poços, ampliação da energia elétrica, regularização dos territórios, transporte e saúde especializada nas comunidades, recuperação de estradas e construção de pontes, equipamentos públicos (academia e quadras), selo de inspeção/identificação de produtos quilombolas e valorização/capacitação de servidores quilombolas na educação