A COP28 aconteceu em Dubai com a participação de quase 200 países, e foi concluída no dia 13 de dezembro, com um dia de atraso devido às negociações relacionadas aos compromissos de redução de combustíveis fósseis em uma Conferência do Clima que, ironicamente, foi realizada na principal região petrolífera do mundo.
Uma das demandas mais urgentes da Apib no contexto da COP28 é que o governo brasileiro vincule a já existente política de demarcação dos territórios indígenas às suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as quais serão revisadas na COP30 em 2025, que será realizada em Belém.
“Saímos de aqui [de Dubai] com o compromisso de cobrar cada vez mais o governo brasileiro para que os mecanismos e medidas de proteção e demarcação dos territórios indígenas sejam implementados”, afirmou Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Apib, em sua avaliação sobre a COP28. “Não há solução para a crise climática sem os Povos Indígenas e sem os territórios indígenas, precisamos sim ter os nossos territórios demarcados e acreditamos que nossa mensagem chegou a quem deveria chegar”, adicionou Tuxá em referência à carta que a Apibentregou no dia 5 de dezembro ao Presidente Lula em encontro realizado com a sociedade civil na COP28, a qual reitera como imprescindível garantir o respeito aos direitos indígenas e não permitir o avanço de políticas anti-indigenistas como o Marco Temporal, aprovado no dia 14 de dezembro pelo Congresso Nacional, na Lei 14,701/2023.
Além do encontro com o Presidente Lula, a Apib também se reuniu com os negociadores brasileiros para apresentar suas demandas transversais e específicas em relação às negociações climáticas. Entre elas, se destacam a participação efetiva dos Povos Indígenas no processo de negociações e tomada de decisões, e a vinculação da política de demarcação e proteção dos territórios indígenas às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, por sua sigla em inglês) do Brasil. Com uma sensação de relativa satisfação por ter conseguido mobilizar a maior delegação de representantes indígenas do Brasil em uma COP, com cerca de 60 representantes indígenas da sociedade civil, o movimento indígena centralizou o debate sobre a importância das Terras Indígenas para as políticas de mitigação climática a nível nacional e internacional.
Os povos indígenas são protagonistas na luta contra as mudanças climáticas: através da íntima relação com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Não há como considerar a preservação de todos os biomas e políticas consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas em seus territórios.
Um dos principais resultados da COP28 foi o Balanço Global, mecanismo de avaliação sobre o status de implementação dos compromissos das Partes no âmbito do Acordo de Paris. O texto final do Balanço Global faz sete menções aos Povos Indígenas, as quais se referem à responsabilidade das Partes em respeitar suas obrigações com os direitos dos Povos Indígenas; à participação dos Povos Indígenas nas soluções sustentáveis e justas para a crise climática e no processo de negociações; à implementação de soluções integradas e multissetoriais com base no conhecimento dos Povos Indígenas; ao respeito ao conhecimento indígena como forma de proteção do patrimônio cultural em relação aos impactos das mudanças climáticas; além do fortalecimento dos mecanismos de capacitação para promover o engajamento dos Povos Indígenas tanto nas negociações, como na criação de políticas e desenvolvimento de ações climáticas.
Para que isso tudo seja de fato cumprido, o Brasil precisa começar garantindo o acesso das populações aos seus territórios como primeiro direito inegociável, assim como respeitar a convenção 169 da OIT sobre a consulta livre, prévia e informada em relação aos projetos que impactem os territórios indígenas. Da mesma forma, os acordos relacionados ao Artigo 6 do Acordo de Paris precisam estabelecer mecanismos de denúncia que sejam efetivamente acessíveis aos povos indígenas. “O texto [do Balanço Global] reflete o compromisso político, que precisa ser agora evidenciado na prática. Não estamos satisfeitos apenas em ter os povos indígenas mencionados. E isso se dá com a inserção dos povos indígenas na ocupação dos espaços de decisão, no beneficiamento do financiamento direto, em políticas governamentais”, enfatiza Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Apib.
Novos projetos de petróleo em Terras Indígenas: contradição na luta contra as mudanças climáticas
Seguido de uma dificuldade em atingir consenso nas negociações, o texto final da COP28 propôs a redução do consumo global de combustíveis fósseis. No entanto, a sensação de boa parte dos negociadores e da sociedade civil é de certo fracasso em relação à ausência de uma menção mais contundente e específica sobre a eliminação gradual do uso de petróleo, gás e carvão, ao invés de redução. A COP28 atingiu o recorde de credenciamento de representantes do lobby petrolífero, com 2.456 inscritos.
Uma das maiores contradições no que se refere ao posicionamento climático do Brasil foi a adesão do país ao grupo da Opep+ (extensão do grupo central da Opep, Organização de Países Exportadores de Petróleo) que preocupa os Povos Indígenas sobre a exploração de combustíveis fósseis nos seus territórios, além dos impactos climáticos de tais atividades. “Saímos daqui [da COP28 em Dubai] um pouco consternados por entender que nessa COP, ainda que o Brasil tenha protagonizado as negociações do clima, o país tenha ingressado no grupo da Opep+. Isso vai de contramão com o que está inclusive sendo debatido: transição energética justa”, explicou Tuxá.
A proposta de eliminação do uso de combustíveis fósseis chegou a formar parte do rascunho do texto do acordo da COP28, mas foi retirada após pressão da Opep com os países associados ao grupo da Opep+, que votaram para eliminar tal compromisso. A proposta que figura no texto final é contraditória com a meta de manter o aquecimento global em 1,5º pois, segundo alertam os cientistas, o único caminho para que isso seja possível é a neutralidade de carbono até 2050, zerando o uso de combustíveis fósseis.
O Brasil contribuiu ao cenário de contradições que caracterizaram essa edição da Conferência do Clima, já que, além da adesão do país à Opep+, no mesmo dia do fechamento da COP28 (13 de dezembro), aconteceu no Rio de Janeiro um leilão de projetos de combustíveis fósseis. O 4º ciclo de Oferta permanente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ofereceu um total de de 602 blocos exploratórios e uma área com acumulação marginal, totalizando uma área de 183.569 km2. Segundo os dados do Instituto Arayara, 15 desses blocos exploratórios afetam 156 milhões de hectares (47 mil km2) de terras indígenas.
Na Área de Influência Direta (AID) desses projetos se encontram um total de 23 Terras Indígenas de 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda- Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng, com uma população afetada estimada em 21.910 indígenas. As terras indígenas estão de forma predominante localizadas na Amazônia Legal (63,64% dos blocos) na Bacia do Amazonas (estados do AM e PA), e também em Santa Catarina.
“Desses 23 blocos que impactam Terras Indígenas, duas são de povos isolados. Imaginem as estruturas que serão montadas, ao lado dos territórios indígenas, nas Unidades de Conservação, nos territórios quilombolas e nos territórios de todas as comunidades tradicionais do Brasil. É importante que a gente se junte e faça um compromisso entre nós: dia 13 não faço L de leilão, petróleo e gás, no meu território não”, declarou Kretã Kaingang, Coordenador Executivo da Apib, que acompanhou o leilão da ANP no Rio de Janeiro, fazendo referência à manifestação "Faz o L" de apoiadores do Presidente Lula durante sua campanha eleitoral.
A exploração, perfuração, extração, transporte e até refino e consumo causam devastação ambiental, violência e empobrecimento local. Em todas as fases há desmatamento e degradação de ecossistemas, contaminação dos corpos d’água, chuvas ácidas resultantes da queima do gás associado de petróleo, ruído e poluição insuportáveis – fatos que se estendem às redes naturais de circulação de água e vento, segundo explica o Instituto Arayara.
“No primeiro governo Lula em 2000, ele ratificou a convenção 169 da OIT, que nos dá direito à consulta livre, prévia e informada. Para esse leilão de hoje, nós não fomos consultados, nenhuma população tradicional atingida foi consultada. Durante a COP28, o Lula fez um discurso emocionado, chorou, falou da redução do desmatamento, mas com todos os impactos desses projetos de petróleo que estão sendo discutidos com as maiores empresas de petróleo mundiais, para se instalarem em territórios indígenas, mas sem deixarem entrar a nós povos indígenas que estamos aqui na porta do hotel onde o encontro acontece?”, questiona Kaingang, na porta do Hotel Windsor Barra na capital fluminense.
O Brasil de Lula, que já foi referência mundial em políticas climáticas, precisará trabalhar duro para aclarar suas contradições, questionar se continua sujando sua imagem internacional com a adesão ao chamado cartel petrolífero da Opep+ e cumprir seus compromissos e metas, entre eles o respeito das Terras Indígenas, que são guardiãs dos biomas e de boa parte da biodiversidade. O país tem dois anos para definir uma posição de liderança antes da COP30 de 2025, que será organizada pelo Brasil na cidade de Belém, e onde os países terão a grande responsabilidade de revisar suas metas climáticas, as NDCs. No entanto, a Apib questiona sobre a efetividade dos compromissos climáticos do Brasil enquanto as políticas de demarcação e proteção dos territórios não estiverem no centro desse debate.