Por Glória Pires, Atriz e Empreendedora
Salve, Glorioses. Na cultura yanomami, as crianças são batizadas pelos tios,avós e parentes, quando já estão um pouco mais crescidas, de acordo com as características que as definam. Porém, com Davi Kopenawa – xamã e a principal liderança yanomami, aconteceu diferente pois, antes desse rito, sua aldeia foi invadida por missionários que deram a ele o nome bíblico Davi. Não se sabe ao certo se sabe ao certo a motivação dessa escolha, mas, conhecendo um pouco de sua história, pode-se deduzir que tenham percebido naquele jovem de cerca de 11 anos, sobrevivente da rubéola que vitimou toda a sua familia; a determinação que caracterizou o também jovem Davi, ao derrotar o gigante Golias. O fato é que Davi moldou toda a sua vida pensando na sobrevivência, não somente a sua mas de todo o seu povo.
Davi conta que certa vez foi chamado para resgatar sozinho os corpos de quatro indígenas, assassinados por garimpeiros: “Não havia ninguém para me ajudar. Tive medo, mas minha raiva foi mais forte”. Daí, recebeu do xamã da aldeia Watoriki (que viria a ser seu sogro) seu segundo nome – Kopenawa, exaltando a força das vespas kopena.
Davi nasceu por volta de 1956 no alto rio Toototobi, próximo à fronteira com a Venezuela. Além das doenças, a construção de estradas e a corrida do ouro pontuam a relação com os não indígenas, que contabiliza cerca de 1.000 mortes apenas nos anos 80, quando os yanomami passaram a sofrer diversas invasões por toda a serra Parima, divisor de águas entre o alto Orinoco (no sul da Venezuela) e a margem esquerda do rio Negro (no norte do Brasil).
Aprender o português foi fundamental para a sua autonomia e isso o levou a ser intérprete, pela Funai. Nessa função, ele percorreu quase toda a terra yanomami, descobrindo o seu tamanho e sua unidade cultural. A sua sabedoria nata, o conhecimento do português e também da geografia yanomami, o tornou uma referência junto ao seu povo (hoje, mais de 33 mil habitantes, que se dividem em cerca de 640 comunidades, muitas dessas isoladas).
Na década de 1980, em parceria com organizações não governamentais que atuavam na Amazônia pela proteção da floresta, viajou com outros líderes indígenas pela Europa e Estados Unidos, sempre retornando para a sua aldeia. Compreendendo a vastidão do mundo, Davi percebeu a importância de registrar a cultura yanomami, que foi devidamente registrada pelo antropólogo francês Bruce Albert, durante 10 anos – assim, começou a nascer o livro “A Queda do Céu”, considerado a maior etnografia dos povos yanomami no Brasil.
O livro traz histórias da sua infância, sua vocação xamânica, além do encontro e dos embates com os não indígenas. O nome do livro vem de um mito ancestral que anuncia os fim dos tempos e da natureza com a morte do último Xamã, acabando também com toda a humanidade (A Queda do Céu para leitura online).
Em 1988 recebeu o prêmio Global 500 das Nações Unidas; em 89 recebeu o prêmio Right Livelihood em nome da ONG Survival International; e em 99 foi condecorado com a Ordem de Rio Branco pelo governo brasileiro. Em 2004 fundou a Hutukara, principal associação yanomami do país, o prêmio Bartolomé de Las Casas pelo governo espanhol e Ordem ao Mérito do Ministério da Cultura brasileiro.
Mesmo vivendo isolado, com sua esposa e filhos no norte da floresta, suas palavras são conhecidas internacionalmente.
“Muito tempo depois de eu já ter deixado de existir, elas continuarão tão novas e fortes como agora. São essas palavras que pedi para você fixar nesse papel, para dá-las aos brancos que quiserem conhecer seu desenho. Quem sabe assim eles finalmente darão ouvidos ao que dizem os habitantes da floresta, e começarão a pensar com mais retidão a seu respeito?“
(Davi Kopenawa)