Sexta, 29 de Março de 2024

Quarta Gloriosa

Quarta Gloriosa: Yorenka Ãtame – Saberes da Floresta

Educar para preservar

Foto: Via Estadão
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10 junho, 2020 às 11:53

Por Glória Pires, Atriz e Empreendedora. 

Salve, glorioses. Como diz o pedagogo Paulo Freire, “educação muda pessoas e pessoas transformam o mundo“. Foi com este raciocínio que o povo Ashaninka, no extremo norte do Acre, decidiu utilizar o ensino contra a invasão de suas terras e exploração do meio ambiente.

São cerca de 60 mil Ashaninkas que vivem desde o andes no Peru às margens do Rio Amônia. Aqui, um ponto central é a Aldeia Apiwtxa, na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo. Além de ser um município com 95% de seu território de área protegida, a região ainda faz divisa com o Peru, o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Extrativista do Juruá e um assentamento do Incra.

Esse contexto todo fez com que a terra indígena dos Ashaninkas se tornasse vulnerável a invasões, tanto de madeireiros peruanos como de caçadores ilegais de animais exóticos, mesmo depois da demarcação em 1992. O resultado foi o avanço do desmatamento principalmente no entorno da aldeia, onde eles não tinham controle.

Guardiões da Floresta, hoje os Ashaninka são reconhecidos por suas iniciativas sustentáveis, especialistas em manejo da floresta em pé e técnicas de agro-reflorestamento. Antes eles eram nômades, mas com na demarcação precisaram resgatar estes conhecimentos “dos antigos” para tornar a terra sempre fértil. E percebendo que as comunidades ao redor não sabiam como fazer a floresta prosperar em meio a tanta invasão, decidiram então compartilhar seus conhecimentos. 

E foi assim que, em 2007, nasceu a escola de educação ambiental Yorenka Ãtame, que na língua Aruak significa “Saberes da Floresta”. O espaço de 86 hectares em frente à sede da cidade de Marechal, mas do outro lado do rio, nasceu da ideia de ensinar práticas de manejo sustentável dos recursos naturais da própria região do Alto Juruá, e também com a missão de unir todas essas pequenas comunidades que dividem a fronteira em um mesmo propósito.

À época do lançamento, o coordenador e liderança indígena Benki Piyãko falou sobre a missão de preparar principalmente os jovens para os desafios ambientais e sociais do futuro. 

“Como a juventude vai enfrentar os problemas que estão aí e que estão ficando cada vez mais graves? Qual a reflexão que fazemos sobre a região do Alto Juruá, o Acre, o Brasil e o mundo? Nossa juventude está preparada? Está refletindo sobre os nossos problemas?”

De lá pra cá, já foram plantadas mais de 200 mil mudas, onde se pode tirar mais de 50 toneladas de alimentos para a comunidade ao ano. Além disso, parcerias com escolas, ensino de hortas urbanas, implantação de sistemas agroflorestais com os extrativistas do entorno… o que os Ashaninkas fizeram com a Yorenka Ãtame foi criar uma verdadeira rede de apoio em torno da floresta, unindo os diferentes e promovendo diálogo entre índios, não índios, moradores da cidade, a administração e até turistas. 

Esse esforço em conjunto rendeu a Benki Piyãko e Aldeia Apiwtxa, exatamente 10 anos depois do início da escola, o Prêmio Equatorial da ONU, promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que escolheu as 15 melhores iniciativas de “solução sustentável para desafios voltados à proteção e promoção de pessoas, comunidades e do meio ambiente”. 

Diante as invasões predatórias, muitas por ganância mas também ignorância, os Ashaninkas foram sábios e escolheram como arma para essa guerra a educação. A assim a Apiwtxa está cada vez mais fortalecida nesse papel de multiplicadora de saberes e conhecimentos.

Um beijo e até a próxima Quarta Gloriosa!